terça-feira, 15 de outubro de 2013

--- Levando o retalho pra passear



Hoje saímos à rua pra cumprir uma experiência:
Durante 15 minutos deveríamos levar um dos retalhos usados na cena para “passear”

Morrendo de vergonha, escolhi o maior retalho, cobri parte do meu rosto e saí da sala de ensaio.

--- Calça preta. Blusa preta. Havaianas azuis. Um celular. RETALHO VERDE CLARO.

Caminhando. Ritmo uniforme. Tarde nublada. Olhares atentos dos transeuntes – Risos. Curiosidade. Desdém – Moço de uniforme azul assobia, me chamando. Não viro. Sigo em frente. Os olhares se intensificam.

Passo em frente ao IPUB (Instituto de Psiquiatria da UFRJ), um grupo de quatro seguranças faz a guarda do local. Eles me veem. Se juntam. Conversam. Um deles vem correndo em minha direção. Para. Me olha. Volta pra cabine de segurança.

Sinto todos os olhares voltados pra mim. O que há de errado comigo? Um tecido verde claro por cima da cabeça. E o que há de errado com isso? O diferente incomoda. Penso em JOÃO, em MARIA, em ROSA. Como a cidade os receberia?

A tira da havaiana solta. Abaixo pra colocá-la no lugar. Levanto. Olho pra trás. Uma das guardas do campus está me seguindo. Sigo em frente. Ela se comunica, através de um rádio, com os outros seguranças. Ainda faltam 8 minutos. Passo por Luiza levando dois retalhos, um em cada mão. A guarda continua me seguindo – mulher negra, cabelos escuros alisados, boné preto, colete preto, calça cinza, blusa cinza. – Ela me olha como se eu oferecesse algum risco às pessoas. Reitero: um tecido verde claro na cabeça é a única coisa que me diferencia dos outros transeuntes. Sim, eu podia ter escolhido um tecido pequeno e colocado no meu bolso, mas porque eu não posso usar um tecido na cabeça? Qual é o problema?

Sigo. Cruzo mais uma vez com o moço de uniforme azul. Dessa vez ele passa ao meu lado e pergunta “Isso é teatro?”. Olho pra ele. Não respondo. Sigo. Estou próximo à saída do campus. Encontro mais três guardas na guarita, que me olham curiosos e atentos a qualquer surpresa que um pano verde claro na cabeça poderia causar. Faltam 3 minutos. Continuo caminhando. Vejo a guardinha que me seguia perguntar alguma coisa a Luiza. Depois fiquei sabendo que ela também perguntou se era teatro. Luiza respondeu com um aceno positivo. Ela saiu bradando algumas palavras contra a nossa atitude. Finalmente deixou meu retalho em paz. Termina o tempo. Volto à sala de ensaio. Sento.

Em apenas quinze minutos apresentei a crueldade da cidade ao meu retalho verde claro.

Penso em andarilhos, mendigos, joãos, marias, rosas, indivíduos que a cidade me ensinou a sentir medo. Talvez, cobertos por retalhos, eles fiquem invisíveis. Ou visíveis demais. Eu posso tirar o retalho do meu corpo e voltar a ser Davi. Um morador de Botafogo, estudante da UFRJ. E eles? Os retalhos já se confundiram com seus corpos. Não há escolha. 


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